Podcast: Hekate e os Animais

Neste episódio podcast "Caverna de Hekate", falo sobre como Hekate tem sido conectada com os animais, tanto antigamente como hoje em dia. Falo mais sobre os principais animais e dou sugestões de como incluí-los em sua prática.


Frequentemente Hekate é associada com diversos animais, em especial cães negros, serpentes, dragões, cavalos, touros, entre muitos outros. Cada animal tem um significado e razão por ser associado à Hekate, porém o que fica claro é que os animais são muito queridos à essa deusa.

Em escritos antigos, a associação com animais pode ser encontrada desde em textos até estátuas. Em alguns documentos, ela é descrita como liderando sua horda de cães negros, segurando cobras ou abençoando cavalos. Porfírio, em sua obra "Da abstinência de comer alimento de animais", descreve Hekate com quatro cabeças de animais: cavalo, touro, leão e cachorro.
Stephen Ronan publicou em 1992 o livro intitulado "The Goddess Hekate", onde descreve a aparência de Hekate como poderosa e terrível, já que ela é vista coberta de serpentes, com três formas e três cabeças, irradiando uma luz ardente. Também pode aparecer com quatro cabeça de animais: cavalo, touro, hidra e cachorro.

Hekate é representada com um arco, um par de tochas flamejantes e um grande cão. A figura é identificada alternativamente como Artemis (Museum der Universität Tübingen).
Detalhe de Hermes, Heracles, Cerberus e Hekate de uma pintura retratando a jornada de Heracles para o submundo (330 - 310 A.C. - Staatliche Antikensammlungen, Munich)
Hekate com cabeça de animais (touro, porco e cachorro) - Cartari, 1571

Todos os animais conectados à Hekate

Abelha, Burro, Cabra, Cachorro, Cavalo, Coelho, Cordeiro negro, Coruja, Corvo, Doninha europeia, Dragão (mítico), Hidra (mítico), Javali, Lagarto, Leão, Lobo, Mariposa, Porco, Sapo, Salmonete (peixe), Serpente, Touro, Vaca e Veado.

Formas de trabalhar com os animais de Hekate

  • Estudando sobre o animal: seu simbolismo em diversas culturas, assistindo documentários, lendo livros, etc;
  • Através de oferendas no altar de Hekate (ex.: imagens, pele de cobra, pelos de cachorro, ferradura de cavalo, ossos, etc). Atualmente as pessoas que são devotas à Hekate em sua grande maioria não são favoráveis à matar animais como oferendas; 
  • Trabalhar com as associações dos animais em rituais, feitiços, etc;
  • Em meditações, reflexões, escrita;
  • "Shapeshifting", xamanismo;
  • Como espíritos familiares (indico o livro "The Witch's Familiar" de Raven Grimassi);
  • Através de sonhos, mensagens, sinais;
  • Evocar epítetos de Hekate relacionados aos animais (veja mais abaixo);
  • Divinação com ossos, oráculos (indico "The Druid Animal Oracle", tarô (indico "The Wild Unknown);
  • Cuidar dos animais, ser voluntária(o) em ONGs de proteção aos animais, ter um como pet (adotado, de preferências), tornar-se vegetariano ou vegano como ato devocional (se você quiser).

Epítetos de Hekate ligados aos animais


CÃO
Kynegetis: Líder dos cães
Kynokephalos: Cabeça de cão
Kynolygmate: A que uiva como um cão
Kyon Melaina: Cão negro
Philoskylax: Amante dos cães
Skylakageia: (significado desconhecido, algo a ver com cães)
Skylakitin: Senhora dos cães

SERPENTE DRAGÃO
Drakaina: Serpente-Dragão
Ophioplokamos: Com cachos encaracolados/enrolados com serpentes
Oroboros: A que come a cauda
Speirodrakontozonos: Rodeada por espirais de serpentes
Zonodrakontos: Coberta de cobras, Entrelaçada com cobras

TOURO
Taurodrakaina: Touro-Cobra, Touro-Dragão
Taurokarenos: Cabeça de touro
Tauromorphos: formato de touro
Tauropolos: Pastora de touros
Tauropos: Rosto de touro

CAVALO
Hippokyon: Égua, cavalo-cão
Eurippa: A que encontra cavalos
Keratopis: Cabeça de cavalo

VEADOS
Agallomenen elaphoisi: Regozijando-se em veados
Ellophonos: Caçadora de veados

LEÃO
Leaina: A leoa
Leontoukhos: A que segura um leão

VACA
Boopis: Com olhos de vaca

LOBO
Lyko: Formato de lobo

SAPO
Phroune: Ela-Sapo

HEKATE E CÃES

Hekate é frequentemente descrita como acompanhada de uma horda de cães negros, em especial nas noites sem lua, onde ela visita as encruzilhadas triplas acompanhada dos seus cães. Devotos de Hekate, ao ver um cão negro em lugares e momentos inesperados, associam como um sinal da deusa. Também é dito que cães latindo anunciam sua chegada, especialmente se forem ouvidos durante rituais com Hekate.

O primeiro simbolismo desse animal com Hekate surge no mito da rainha Hekabe que pulou no mar após a queda de Troia, é dito que Hekate a transformou em um cão negro, tornando assim seu familiar desde então. Neste mito, Hekate é associada com Bendis, deusa que eram prestados sacrifícios de cães.

Cães negros, em especial filhotes fêmeas, costumavam ser sacrificados em nome da deusa em sua face como Enodia, prática que atualmente não é bem vista por seus devotos modernos.

Cérberos, um cão negro de três cabeças da mitologia grega que guarda a entrada do submundo, também é conectado com Hekate. Dizem que o acônito, uma planta venenosa também associada á Hekate, cresce onde a espuma da boca do Cérberos cai. Essa associação de Hekate com Cérberos e reforçada por uma série de pinturas em vasos do período helenístico em que ilustra Hekate ao lado de Cérberos.

Detalhe de Hermes, Heracles, Cerberus e Hecate de uma pintura em vaso que descreve a jornada de Heracles para o submundo. Cerca de 330 - 310 a.C. Está no museu Staatliche Antikensammlungen, em Munique, Alemanha.

Os cães são animais extremamente importantes para os humanos, e simbolizam proteção e companheirismo, o que vai de encontro com o papel de Hekate, aquela que caminha nas encruzilhadas, protege os portais, as casas e os espaços liminares. 

HEKATE E SERPENTES

Hekate é frequentemente vista em estátuas, ilustrações e textos acompanhada por serpentes. Ela é descrita como tendo cabelos de serpentes e com serpentes enroladas em torno do seu corpo.

A serpente é ligada aos poderes chthônicos, ao submundo, ao medo, manifestação, transformação, cura. Mas há devotos que associam a serpente com os aspectos de Hekate do mundo superior, à iluminação, à parte intelectual.

HEKATE E DRAGÕES

Dragão em inglês, "dragon", deriva do grego Δρακων (drákon), que significa "dragão, serpente de tamanho imenso, cobra-da-água". Cérberos, como descrito acima em "Hekate e os Cães", também é visto em alguns mitos como um dragão com três cabeças, ao invés de um cão.

Em uma enciclopédia do século XX d.C., em um trecho escrito por Gregory Nazianzenus há uma descrição de Hekate relacionando-a à dragões:
"Alguns (dizem que ela é) Ártemis, outros que é a lua aparecendo em manifestações estranhas para aqueles invocando maldições. Suas manifestações (são) humanos com cabeças de dragões, e de tamanho imenso, então esse sinal deixa estupefatos aqueles que veem isso."

Os dragões também associam Hekate à Medea, que era considerada uma bruxa sacerdotisa de Hekate. Em uma dessas histórias, Hekate é descrita com pés de dragão, enquanto Medea é descrita em uma carruagem puxada por dragões gigantes voadores com formato de serpente. Medea chama esse dragão para escapar de Korinthos após a morte do rei Kreon, de sua filha Kreousa, fruto de seu relacionamento com Jason. 

HEKATE E LEÕES

As referências que ligam Hekate à leões podem ser encontradas em um friso do Templo de Lagina, moedas antigas em Tessália e referências dos Papiros Mágicos Gregos e Oráculos Cáldeos, onde essa associação é persistente. Neste último, Hekate é descrita como "possuidora de leões" e ainda mais significativamente neste trecho: "Se você me invocar com frequência, perceberá tudo em formato de leão".

Hekate também era representada em estátuas com leões assim como algumas deusas no Oriente Médio, como Inanna, Astarte e Cibele. Em um vaso do século VI a.C. de Boeotia (onde Hesíodo morava), mostra Hekate roadeada por leões com uma coroa de galhos, abençoando e protegendo duas moças.

Em sua associação com a deusa Cibele, que é a personificação da energia que anima a terra, leões puxam sua carruagem, representando o controle das energias necessárias para a evolução.

HEKATE E TOUROS

O touro têm uma forte associação com a lua por conta de seus chifres que formam uma lua crescente ou minguante. Referências da associação com Hekate e touros aparecem nos Papiros Mágicos Gregos e nos Hinos Órficos à Hekate:

"Ó berrante da Noite, Amante da Solidão, aquela com rosto e cabeça de touro, Você tem os olhos de touro e a voz de cães" - PGM IV 2785–2870.
"A portadora das chaves do universo, nunca fadada ao fracasso, junta-se aos veados, caçadores, vista à noite e atraída por touros" - Hino Órfico á Hekate.

Sua associação com touros mostra Hekate como uma divindade liminar que une o celeste com o terreno. De fato, o touro era considerado um símbolo da lua na Terra, assim como a lua era vista como o touro no céu. Novamente, vemos Hekate retratada como um touro nos Oráculos Cáldeos, onde Hekate age como uma creatrix liminar, unindo o celeste e o terreno:

“Eu venho, uma virgem de formas variadas, vagando pelos céus, com cara de touro, ...” - Oráculos Cáldeos.

Hekate não era vista apenas como creatix celestial, mas também como psicopompa que guia as almas para o submundo. Neste aspecto, touros negros se tornaram particularmente associados à Hekate como sacrifício em rituais de necromancia. 

Concluindo, o touro simboliza o reinado celeste e terrestre liminar de Hekate. É um lembrete de seus poderes como criadora e destruidora (originária de sua origem) simbolizada pelas fases crescente e decrescente da lua (um ciclo lunar completo) e vista nos chifres crescentes de um touro.

HEKATE E CAVALOS

Hesíodo escreveu que Hekate, junto com Hermes, é favorável aos estábulos e fica ao lado dos cuidadores de cavalos, dos quais ela faz favores. Hekate também era descrita com cabeça de cavalo nos Oráculos Cáldeos e em outros textos antigos. 

O cavalo é descrito como criatura do fogo, símbolo da alma de fogo de Hekate. Stephan Ronan descreve que o cavalo representa a natureza "não-demoníaca" de Hekate, enquanto Sarah Iles Johnston interpreta que o cavalo seria um daemon que serve Hekate em seus reinos sub-lunares.

HEKATE E LOBOS

O lobo (do grego, lykos) tem grande significado nas culturas e religiões dos povos nômades. Na mitologia indo-europeia, presumivelmente o lobo estava associado à classe guerreira que "se transformaria em lobos" (ou cães) após sua iniciação. Esopo contou com lobos em várias de suas fábulas, brincando com as preocupações do mundo na Grécia Antiga.

Hekate já foi descrita com três cabeças de lobo. Em outro mito grego, um rei chamado Lycaon foi transformado em lobo pelo deus Zeus (o nome Lycaon sobrevive hoje na subespécie de lobo cinza Canis Lupius Lycoan).

Na religião helênica, há deuses (como Apollon, Pan e Zeus) com epítetos muito específicos que se referem a lobos que geralmente se referem a uma característica destrutiva de um deus mais selvagem/indomável e muitas vezes solar, e deusas (como Artemis e Hekate) com epítetos muito específicos que se referem a cães, o que parece se referir a seus papeis mais liminares, assim como a Ares.

Nos Papiros Mágicos do Egito ptolomaico (quando os Papiros eram escritos sob o domínio grego e romano), Hekate é chamada de cadela e loba, e sua presença é anunciada pelo latido de cães.

Embora quase todas as representações de um cão associado à Hekate considerem cães negros, a probabilidade era de que na era de Hekate havia poucos cães domesticados, portanto, é lógico pensar que provavelmente eram lobos que a acompanhavam.

HEKATE E SAPOS

Há pouco sobre a ligação de Hekate com sapos, mas acredita-se que ela surgiu por consequência da associação do sapo com a bruxaria. Além disso, o sapo move-se entre liminares, ou seja, da água para a terra e representa os aspectos do submundo e renascimento.

Os sapos também são ligados à deusa egípcia Heqet, deusa dos partos com cabeça de sapo. Não há evidências de que Hekate e Heqet tenham alguma ligação, porém os seus nomes são parecidos e ambas deusas têm um papel na maternidade.


HEKATE E SALMONETES (PEIXE)

A associação de Hekate com o peixe salmonete está ligada ao seu domínio sobre o oceano, conforme declarado por sua genealogia na Teogonia de Hesíodo, composta no século VII aC, e seu epíteto no Hino Órfico, composto entre o século III aC e o século II dC.

Na Teogonia, Hekate concede peixes como recompensa aos pescadores, mas também pode levá-los embora. Hekate, portanto, fornece uma fonte de nutrição, indiretamente, governando a criação de animais, neste caso de peixes (como uma deusa da natureza e animais selvagens) e diretamente, permitindo que os peixes sejam capturados. Uma imagem de Hekate como uma deusa da natureza e animais selvagens são retratados em um vaso boeotiano do século VIII aC, mostrando uma deusa com uma imagem de um peixe na saia, definindo um de seus reinos.

No mundo clássico, o simbolismo dos peixes veio do mito de Atargatis. Embora existam variações de porque a rainha Atargatis jogou a si mesma e a seu filho Icthys em um lago/rio, ela foi posteriormente deificada e adorada como a Deusa dos Peixes, que se tornou conhecida no mundo grego como Derketo e foi equiparado a Afrodite associando peixes à sexualidade e fertilidade. O oceano era visto como um lugar liminar entre o mundo mortal e o submundo e, em alguns mitos gregos, sabia-se que os peixes carregavam os mortos. Pensava-se que haviam peixes que consumiam carne humana e habitavam as profundezas oceânicas (com grandes monstros oceânicos), sendo considerados próximo do submundo e associou-se a deidades ctônicas e à morte. Os peixes eram geralmente oferecidos aos mortos e consumidos em rituais ocorridos em cemitérios.

Nos Mistérios Eleusinianos, onde Hekate age como um psicopompa para Perséfone, o salmonete foi banido do consumo, como Melanthius (historiador ateniense) escreve entre 350-270 aC por causa de sua associação com Hekate. As razões para a abstinência de alimentos específicos variavam entre os cultos: elas podem ser sagradas para uma divindade ou podem ser considerados impuros. No caso do salmonete, ambos se aplicam um pouco. Tornou-se etimologicamente vinculado à Hekate (três formas) e tinha uma fertilidade excepcional procriando três vezes por ano. Portanto, foi considerado sagrado para Hekate até o ponto em que as ofertas de Atenas (Trigla) foram deixadas para uma estátua de Hekate Triglathena. A cor do peixe significava sangue e pensava-se que se alimentava de cadáveres. Isso associou elementos de poluição aos peixes e, consequentemente, sua associação chthônica com Hekate. As razões para o salmonete como uma oferta servem para reforçar a semelhança por trás do significado simbólico de peixe com Hekate.

HEKATE E DONINHA-FEDORENTAS

A doninha-fedorenta é associada como um dos animais de Hekate em dois mitos: O mito de Hekate e Galinthias e o mito de Hekate e a bruxa Gale.

Mito de Hekate e Galinthias:
Neste mito, conta-se que Alkmene estava grávida de Herakles, porém continuava com dores de parto causadas por as Moirai (destino) e Eileithyia (deusa dos partos, um dos epítetos de Hekate), como um favor à Hera. Galinthias, que era amiga e parteira de Alkmene, com medo de que as dores de parto deixassem Alkmene louca, mentiu para Moirai e Eileithyia dizendo que Zeus pediu para que parassem as dores. Com isso, o bebbê de Alkmene, Herakles, nasceu. Moirai, descobrindo a mentira, transformaram Galinthias em uma doninha-fedorenta. Hekate, lamentando a situação de Galinthias, denominou-a então como uma de suas servas sagrada.

Mito de Hekate e a bruxa Gale:
Neste mito, diz-se que a doninha-fedorenta já foi um ser humano e que seu nome era Gale,  uma bruxa, feiticeira (pharmakis). Dizem que ela era "extremamente incontinente", e que ela foi atingida por "desejos sexuais anormais". Por isso, não escapou da raiva da deusa Hekate, que transformou-a neste animal.

Referências consultadas: